Acompanhando os jogos e postagens sobre futebol feminino, vejo um bombardeio de comentários tóxicos - a grande maioria, se não todos - feitos por "homens".
"Essas meninas jogam mal pra *aralho". "Essas meninas são ruins demais". "Enquanto isso, a pia cheia de louça". "Era melhor ir lavar roupa".
Comentários que me fazem refletir: esse realmente era o melhor esperma para fecundar o óvulo? Como falar que isso é evolução da espécie, Darwin?
Afinal, é muita falta de louça e roupa pra lavar entrar em transmissões ou postagens do futebol feminino para publicar essas bobagens, né?
Mas, apesar do engajamento que esses haters dão de graça ao futebol feminino, resolvi esclarecer três pontos básicos que precisam ser entendidos antes de se criticar essas meninas. Mas, adianto: é necessário ter pelo menos um neurônio para compreender a lógica a seguir.
1) Investimento: ponto básico e extremamente crítico, já que a maioria dos clubes brasileiros sequer mantém uma equipe de futebol feminino profissional.
Só para se ter uma ideia: o Corinthians montou uma máquina de ganhar títulos que dominou o Brasil e a América do Sul. É uma equipe quase imbatível. Para isso, segundo informações do portal Meu Timão, em 2023, o Timão desembolsava R$400 mil todo mês para manter esse elenco vencedor. QUATROCENTOS MIL PARA MANTER TODO O ELENCO. Já o elenco masculino, segundo o mesmo portal, custa "apenas" R$ 21 milhões por mês - 50 vezes o valor destinado às meninas.
Ou seja, paga-se muito menos para as mulheres trabalharem - isso quando o clube mantém um time feminino. O Ceará, por exemplo, ao ser rebaixado da Séria A Masculina (que obriga o clube a manter um time feminino) para a Série B Masculina (que não obriga os clubes participantes a terem um time feminino), imediatamente acabou com o time feminino profissional. Simplesmente encerrou o projeto. O Goiás seguiu o mesmo caminho, mas como mantinha sua equipe por meio de uma parceria, optou por encerrar o acordo. Como desenvolver uma modalidade se não há continuidade?
2) Desenvolvimento: desde pequenos, os meninos já são incentivados a jogar futebol - seja dentro de casa, com os vizinhos na rua ou com os colegas na escola. Já as meninas, não. São raras as garotas que têm esse estímulo desde pequenas, fazendo com que muitas delas percam uma fase importante de desenvolvimento de habilidades e fundamentos. Fora o fato de que as mulheres eram proibidas, por lei, de jogarem futebol no Brasil até 1983. Ou seja, é uma mudança muito recente de cultura - e pouco tempo para prática.
Além disso, se existem poucos clubes que mantém um time profissional feminino, nas categorias de base a situação fica ainda pior, beirando o caos. Além da falta de equipes e investimento, não há um calendário robusto que permita que as atletas joguem frequentemente - e, por consequência, possam aprimorar o jogo e seus fundamentos.
Por fim, ainda dentro desse tópico, muitas equipes acabam jogando em centros de treinamento ou estádios subutilizados - é muito comum que os principais clubes só levem jogos do futebol feminino ao seu estádio em jogos importantíssimos, como uma final de Brasileirão. Nos demais jogos, é partida em CT, partida em estádio de pequeno porte da cidade vizinha... E é óbvio que isso impacta o desenvolvimento delas - se os times masculinos brigam tanto para mandarem seus jogos em seus estádios, é por que deve ter um motivo forte, né?
3) Preconceito: claro que não poderia faltar esse ponto. Seja dentro das quatro linhas ou fora delas, sejam jogadoras, técnicas, massagistas, fisioterapeutas, preparadoras de goleiros, treinadoras, coordenadoras técnicas, diretoras, presidentes, juízas, bandeirinhas, gandulas, narradoras, comentaristas, repórteres ou torcedoras, as mulheres são constantemente atacadas - por palavras ou gestos, por propostas ou contratos subfaturados, seja online ou offline. O tempo todo. Como trabalhar em um ambiente tão hostil? Como se desenvolver em um contexto que não apenas te provoca, mas tenta te reduzir, diminuir, aparar e limitar o tempo todo?
Somando esses três fatores, é impossível cobrar uma entrega de altíssima qualidade, como se vê em alguns jogos do futebol masculino. E ainda é impossível ter um retorno financeiro como o futebol masculino.
Afinal, é um ciclo vicioso que está sendo quebrado: primeiro, com o fim da absurda lei que proibia que as mulheres pudessem jogar. Depois, com a criação de times, seguido da formação de campeonatos. Em seguida, investimento em estrutura, salário e manutenção de elenco. E ainda a evolução da estruturação de campeonatos de base e um plano sólido de formação de atletas.
Com isso, o futebol feminino está passando por um desenvolvimento real. Já existem muito mais atletas profissionais e jogando em bom nível do que nos anos 90. Já existem melhores estruturas, mais campeonatos, mais visibilidade, mais partidas transmitidas, mais jogadoras que possam inspirar as crianças - saindo de "meia dúzia" de Martas, Cristianes, Formigas e Sissis para Debinha, Fê Palermo, Bia Zaneratto, Maurine, Tamires, Ketlen, Luana Bertolucci, Gabi Portilho e outras tantas que estão surgindo, como Priscila, Aline Gomes, Giovanna Waksman...
As críticas são necessárias e fazem parte da evolução. Desde que sejam construtivas. Criticar apenas pelo prazer de ofender não ajuda em nada. Criticar visando o desenvolvimento é valioso.
Então, aos haters da modalidade: se não for somar, então, some!
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